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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

AS ARMADILHAS DA VIDA - Nicéas Romeo Zanchett


                Houve um rei chamado Dario que tinha três filhos a quem amava muito. Depois de reinar por longos anos envelheceu e estava no leito da morte. Tinha então que dividir os seus bens entre os filhos. 
                Sentindo muitas dores, passou a noite pensando em como cumprir esta  última tarefa com a mesma justiça que sempre norteou suas decisões. Então decidiu: ao primogênito legou o seu reino; ao segundo filho todos os bens pessoais; ao terceiro um anel de ouro, um colar e uma valiosa peça de tecido. O anel tinha o poder conquistar as pessoas e despertar amor naquele que o usasse; além disso, obtinha-lhe tudo aquilo que desejasse. O colar permitia que quem o estivesse usando ao pescoço obtivesse o que seu coração mais desejasse; e o tapete tinha a virtude de permitir a quem sentasse sobre ele e pensasse para onde queria ir e imediatamente lá se encontraria.  O rei deu essas três  dádivas ao filho mais novo para ajudá-lo nos estudos e depois vencer na vida; mas sua mãe deveria conservar consigo seu dote ate ele ter mais idade, pois ainda era muito novo. Feito isto o velho monarca morreu em paz e foi enterrado com todas as honras tão merecidas,  sempre acompanhado pela multidão que muito o amava. 
               Os dois filhos mais velhos logo tomaram posse de suas heranças e cada um procurou administrar seu legado à sua maneira. 
               A mãe resolveu entregar logo o anel ao filho mais novo, mas deu-lhe logo o aviso para tomar toda a cautela com os artifícios das mulheres, porque se assim não o fizesse iria perdê-lo. Este tomou posse do anel e com muito esmero dedicou-se inteiramente aos estudos. Um dia, porém, caminhando pela rua viu uma mulher tão bela que imediatamente  apaixonou-se; ela era uma prostituta interesseira, mas, mesmo assim tomou-a para sua mulher e companheira. Continuou usando o anel e dessa forma agradava a todas as pessoas e tinha tudo o que desejava.
                Tudo corria às mil maravilhas, mas sua mulher vivia imaginando como era possível ele viver em tão grande esplendor  não tendo nenhum bem material; ela então aproveitou-se de um dia em que  ele estava muito alegre para abraçá-lo carinhosamente e dizer que jurava não haver ninguém no mundo que o amasse tanto quanto ela. Dessa forma, imaginava ela, ele deveria dizer-lhe com que meios sustentava todo aquele luxo em que viviam. Ele, nada suspeitando, explicou-lhe tudo sobre as virtudes do anel herdado de seu pai. Sabendo a verdade ela  ficou a imaginar como apoderar-se daquele anel; disse-lhe então:
                 - Acho que deves tomar muito cuidado com seu tesouro tão valioso; temo que nas tuas relações diárias  com muitas pessoas não confiáveis podes perdê-lo, portanto, é melhor deixar-me guardá-lo em lugar seguro. Confiando em suas suplicas, deu-lhe o anel; e, quando teve necessidade dele, ela afirmou com muita veemência que os ladrões o tinham levado. Ele ficou muito inconformado e desesperou-se por não ter mais meios de subsistência; sem saber o que poderia fazer foi falar com sua mãe contando-lhe tudo o que havia ocorrido.
                     - Meu filho, disse sua mãe, eu te avisei sobre as espertezas das mulheres e não deste atenção aos meus conselhos.  Mas, aqui tens o colar deixado por seu pai; guarda-o com mais cuidado. Se perderes ficarás sem uma coisa muito importante para sua vida. 
                     O filho tomou o colar e logo voltou aos estudos. Quando chegou à cidade sua amante veio imediatamente, mostrando-se muito alegre com sua volta.  Ele continuou vivendo com ela e sempre usando o colar ao pescoço; dessa forma continuava possuindo tudo o que desejava.  Como antes, vivia com muito luxo e sua mulher continuava admirada, por saber que não possuía bens, nem ouro e nem prata alguma. Depois de muito pensar chegou á conclusão de que ele tinha  conseguido outro talismã e habilmente arrancou-lhe a história do colar maravilhoso. 
                    - Porque, perguntou ela, sempre andas com esse colar? Deveria pensar em coisas mais importantes para sua vida e deixar-me guardá-lo. 
                    - Não, disse ele, perderias o colar como perdeste o anel e assim farias um mal irreparável para nós dois.
                    - Oh meu querido senhor, respondeu ela, por ter perdido aquele anel aprendi muito bem como guardar as coisas importantes e te asseguro que ninguém o tirará de mim. 
                    Mais uma vez, o ingênuo jovem confiou nas suas palavras e entregou-lhe o colar. 
                    Passados alguns dias, quando tudo que tinha se esgotou, pediu o colar , mas ela, como da primeira vez, jurou solenemente que tinha sido roubado. 
                    Diante dessa notícia o jovem entrou em desespero e disse-lhe:
                    - Eu deveria estar doido; como fui entregar-lhe o colar depois de ter perdido o anel? 
                    Mais uma vez saiu e foi à procura de sua mãe contando-lhe tudo. Ela, muito aflita, ouviu toda a história do filho e então lhe disse: 
                     - Oh meu querido filho, por que confiaste novamente nessa mulher? Vão pensar que és um maluco; já não tenho mais nada a lhe dar a não ser aquele tapete de tecido que seu pai deixou.  É tudo o que tenho e vou dá-lo a ti, mas se perderes não me procures mais. 
                    O filho recebeu o tapete e voltou novamente aos estudos. A prostituta mostrou-se muito alegre; e ele, desdobrando o tapete, disse-lhe: 
                     - Minha querida, meu pai legou-me este belo tapete de tecido árabe; vem sentar-te nele a meu lado. Ela aceitou o convite e o jovem, em segredo, desejou que fossem transportados para um lugar onde não houvesse mais ninguém. O talismã foi muito eficaz e transportou-os para uma floresta nos confins do mundo, onde não havia traço algum de gente. Depois de ter percebido o que havia ocorrido ela entrou em desespero, chorando inconsolavelmente. Mas o jovem não se importou com suas lágrimas e disse-lhe: 
                      - Se não me devolveres o anel e o colar eu a deixarei sozinha para ser devorada pelas bestas e feras que vivem aqui. Ela então prometeu-lhe que, tão logo pudesse, assim o faria.
                      Depois ela mostrou-se muito carinhosa e mais uma vez jurou que nunca o deixaria, pois o amava acima de qualquer coisa. O jovem, acreditando naquelas falsas promessas, contou-lhe toda a história do tapete que havia herdado de seu pai; depois, sentindo-se cansado, deitou-se sobre ele e adormeceu profundamente.
                     A mulher, vendo a oportunidade, retirou cautelosamente o tapete debaixo do seu corpo e, sentando-se sozinha sobre ele desejou voltar para à sua cidade, para onde foi imediatamente transportada.
                    O jovem príncipe lá ficou dormindo, sem saber dos perigos que corria. Quando acordou percebeu que tanto o tapete como sua amante haviam desaparecido e não se conteve, chorando desesperadamente.  Não sabia o que fazer nem para onde deveria ir. Então levantou-se e saiu caminhando por uma estrada que havia naquela floresta, chegando às margens de um grande e profundo rio. Para continuar sua caminhada deveria atravessá-lo; mas, ao tocar nas suas águas, percebeu que eram muito quentes e também amargas; seus pés estavam feridos, mas mesmo assim continuou caminhando por um atalho que havia junto às margens do rio. Durante a caminhada sentiu muita fome e resolveu procurar alguma planta comestível que houvesse por ali. De repente avistou uma frondosa árvore e dela pendiam apetitosos frutos; foi até ela, comeu alguns que o deixaram leproso, mas continuou sua caminhada. Depois de muito andar chegou a um outro rio e entrou nele para lavar a aliviar seus pés que imediatamente ficaram curados; avistou uma outra árvore com belos frutos e ao comê-los ficou curado da lepra. Levou consigo um pouco daquela água e dos frutos benfazejos e continuou sua caminhada.
                     Passados vários dias chegou a um velho castelo onde encontrou dois homens que lhe peguntaram: 
                    - Quem é o senhor e qual sua profissão? 
                    - Sou médico, respondeu. 
                    - Que sorte!, responderam eles; o nosso rei está muito doente, com lepra, e ninguém consegue curá-lo. Se o curar será muito bem recompensado. 
                    Ele antão prometeu que faria tudo o que estivesse ao seu alcance e em seguida foi conduzido até os aposentos do rei enfermo. Lá chegando deu-lhe imediatamente a fruta da segunda árvore, curando-o instantaneamente. Em seguida deu-lhe um banho com a segunda água e suas carnes e pele se regeneraram imediatamente.  Foi muito bem recompensado a ali ficou por alguns dias. Depois embarcou num navio com destino à sua terra natal. 
                   Chegando em sua cidade fez correr a notícia de que havia chegado um grande médico especialista na cura da lepra. 
                   A sua ex mulher havia se tornado muito rica fazendo uso do anel e colar que lhe roubou, mas estava muito doente e solicitou que lhe trouxessem o novo médico da cidade. Já haviam passados muitos anos e os dois estavam bem diferentes; ela não o reconheceu, mas foi imediatamente reconhecida pelo jovem príncipe que todos acreditavam ser um grande médico. 
                   Ao se aproximar da enferma foi logo dizendo que só os remédios não a curariam; era necessário que confessasse se arrependesse dos seus pecados, e que se tivesse roubado alguém deveria devolver todo o produto do roubo. 
                   A senhora, cuja doença se agravava a cada dia,  tinha muito medo de morrer e fez tudo o que o médico lhe mandou. Confessou ao seu ouvido: 
                   - Eu roubei os bens de uma pessoa que confiava em mim e agora vou morrer, mas se me salvar, prometo que nunca mais roubarei. 
                   Então o jovem príncipe e falso médico perguntou-lhe: 
                   - Minha senhora, onde estão guardados os talismãs? 
                   - Naquela mala, respondeu ela baixinho para que ninguém mais ouvisse, e entregou-lhe a chave que trazia pendurada ao pescoço. 
                   Assim o jovem príncipe recuperou todo o legado de seu pai e, logo em seguida, cuidou da senhora enferma. Esta ficou curada, mas continuou pobre como era antes de conhecê-lo. Em seguida o jovem príncipe foi à procura de sua mãe e contou-lhe tudo o que lhe ocorrera durante aquele tempo em que esteve ausente. Sua mãe ficou muito feliz com sua volta e disse-lhe: 
                   - Meu querido filho, a vida é cheia de armadilhas; precisas ficar sempre alerta para não ser levado por promessas de mentirosos. 
                   Depois de toda essa aventura, mãe e filho ainda viveram muitos anos e ambos acabaram seus dias em paz. 
Nicéas Romeo Zanchett
                    
                     


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